Olá, pessoal!
Trago, para reflexão, um dos temas mais controversos quando se fala em Contratos de Gestão com Organizações Sociais de Saúde (OSS): o cômputo do gasto com pessoal para fins de apuração do limite de despesa com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.
A discussão se dá em razão de uma (aparente) lacuna normativa, a qual tem permitido a interpretação de que o modelo de terceirização da administração dos serviços de saúde por OSS não se constitui em substituição de servidores e/ou empregados públicos, para fins de enquadramento nas disposições da Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000, popularmente conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
1) Contextualização
Segundo dados do IBGE na publicação Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), o número de municípios e de estabelecimentos de saúde sob sua responsabilidade, administrados por terceiros, vem aumentando e se disseminando. Em 2018, 685 (12,3%) municipalidades adotavam algum tipo de terceirização nos estabelecimentos de saúde sob sua responsabilidade, totalizando 3.013 estabelecimentos nessa condição, contudo, em 2021, esse número passou para 891 (16,0%) municipalidades e 4.194 estabelecimentos terceirizados.
Os argumentos frequentemente utilizados pelos gestores para a escolha da transferência da gerência das unidades de saúde para o setor privado são a insuficiência do poder público em gerir os seus serviços; a burocratização excessiva dos processos de aquisição; a impossibilidade de contratação de pessoal por concurso público, devido às restrições da LRF; e a disposição de implantar modelos de gerenciamento por desempenho que, na teoria, podem resultar em ganhos de eficiência e de qualidade na prestação dos serviços públicos de saúde.
Na edição de 2021, a pesquisa também levantou o tipo de órgão gestor e o número de estabelecimentos municipais subordinados a esses entes privados, em sua gestão. O tipo mais frequente de órgão administrador dos serviços de saúde municipais terceirizados eram as OSS, presentes em 47,0% dos municípios onde existem estabelecimentos municipais de saúde terceirizados, e em 62,2% dos estabelecimentos nessa condição. A tabela abaixo apresenta os percentuais de municípios e estabelecimentos de saúde sob responsabilidade da gestão municipal administrados por terceiros.
Tabela 1 – Municípios e estabelecimentos de saúde de responsabilidade da gestão municipal administrados por terceiros
Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101985.pdf
O Grupo de Estudos em Economia da Saúde e Criminalidade (GEESC), do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS) realizou, em novembro de 2022, o primeiro levantamento nacional de estabelecimentos geridos por OSS, cujo resultado se encontra no Portal da Base de Dados das Organizações Sociais de Saúde (BDOSS).
De acordo com essa base (última atualização em 22.08.2023), existem 158 entidades qualificadas como OSS atuantes na saúde, as quais gerenciam um total de 1.874 estabelecimentos de diversos tipos, sendo 80,2% desses estabelecimentos de titularidade municipal; 19,1% de titularidade estadual e 0,7% de dupla jurisdição (estadual e municipal). Não há nenhum estabelecimento federal gerido por OSS.
Figura 1 – Responsabilidade pelo gerenciamento dos estabelecimentos de saúde administrados por OSS.
Fonte: Portal da BDOSS, acessado em 30.04.2024
Sobre os tipos de estabelecimentos de saúde gerenciados por OSS, há uma concentração em unidades básicas de saúde (UBS), com 51,2% do total de estabelecimentos identificados (959 estabelecimentos). Hospital geral é o segundo tipo mais comum, com 13,3% (250 estabelecimentos). Por outro lado, hospital especializado possui uma presença bem inferior aos gerais, com apenas 2,45% (48 estabelecimentos). Unidades de pronto atendimento figuram em terceiro lugar, com 9,71% (182 estabelecimentos).
Os dados apresentados demonstram a relevância do tema, evidenciando uma expansão significativamente crescente do uso do modelo de gerenciamento de unidades de saúde por OSS, sendo a (suposta) não inclusão dos gastos com pessoal decorrentes dos Contratos de Gestão uma das principais atrações para a adoção terceirização da administração dos serviços de saúde. Porém, no presente texto serão apresentados elementos técnicos que apontam para a controvérsia do tema, buscando argumentação na dimensão fiscal e nos aspectos normativos que tratam do Sistema Único de Saúde (SUS).
A LRF, cumprindo o mandamento constitucional previsto no art. 163, estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, definindo como despesa total com pessoal:
Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.
Regulamentando a previsão contida no §1º do art. 169 da CF/88 (A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar – redação anterior à Emenda Constitucional nº 109, de 15.03.2021), a LRF fixou os limites percentuais da despesa total com pessoal, para cada período de apuração e para cada ente da federação:
I - União: 50%;
II - Estados: 60%;
III - Municípios: 60%.
Na verificação do atendimento dos limites definidos, o diploma legal preconiza que não serão computadas as despesas:
I - De indenização por demissão de servidores ou empregados;
II - Relativas a incentivos à demissão voluntária;
III - Derivadas da aplicação do disposto no inciso II do § 6º do art. 57 da Constituição;
IV - Decorrentes de decisão judicial e da competência de período anterior ao da apuração a que se refere o § 2º do art. 18;
V - Com pessoal, do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e Roraima, custeadas com recursos transferidos pela União na forma dos incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e do art. 31 da Emenda Constitucional nº 19;
VI - Com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas por recursos provenientes:
VI - Com inativos e pensionistas, ainda que pagas por intermédio de unidade gestora única ou fundo previsto no art. 249 da Constituição Federal, quanto à parcela custeada por recursos provenientes da arrecadação de contribuições dos segurados, da compensação financeira de que trata o § 9º do art. 201 da Constituição, e de transferências destinadas a promover o equilíbrio atuarial do regime de previdência, na forma definida pelo órgão do Poder Executivo federal responsável pela orientação, pela supervisão e pelo acompanhamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos.
Percebe-se, portanto, que o rol de despesas com pessoal que não compõem o cálculo para aferição do limite percentual é taxativo (numerus clausus). Assim, o que não estiver contemplado expressamente nas hipóteses da lei deve ser computado no cálculo da despesa total com pessoal do ente federativo.
Em relação aos contratos de terceirização de mão de obra, a LRF previu que aqueles que se referirem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal".
Desta forma, a leitura combinada dos dispositivos legais permite concluir que os gastos relativos a contratos de terceirização decorrentes da substituição de servidores e empregados públicos devem ser computado no cálculo da despesa total com pessoal, para fins de apuração do limite percentual estabelecido em lei, uma vez que não se encontra nas hipóteses de exclusão previstas.
A intenção do legislador da LRF, ao estabelecer um limite para as despesas com pessoal, foi permitir que uma parcela das receitas dos entes federados ficasse disponível para ser alocada em outras ações e serviços de interesse da população. Portanto, de modo a proteger essa parcela de recursos, evitando seu uso no pagamento de terceirização de serviços, a LRF estabeleceu, no § 1º do artigo 18, que os valores dos contratos de terceirização de mão de obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos devem ser contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal".
Passamos, agora, a analisar as condições que sustentam a celebração dos Contratos de Gestão com Organizações Sociais de Saúde (OSS), de modo a responder a seguinte questão: os Contratos de Gestão com OSS constituem contratos de terceirização referentes à substituição de servidores e empregados públicos?
Para tanto, serão adotadas duas abordagens, uma de cunho fiscal, lastreada em regras contábeis, e outra de caráter técnico-normativo, trazendo as peculiaridades das regras sobre as contratações realizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
2) Abordagem fiscal
Nesse tópico, busca-se apresentar elementos relacionados à esfera fiscal e contábil como forma de abordar o gasto com pessoal em Contratos de Gestão com OSS.
A Portaria STN nº 233, de 15.04.2019, ao estabelecer regra transitória em razão da necessidade de definição de rotinas e contas contábeis, definiu que:
Art. 1º Até o final do exercício de 2019, a STN/ME deverá definir as rotinas e contas contábeis, bem como as classificações orçamentárias, com a finalidade de tornar possível a operacionalização do adequado registro dos montantes das despesas com pessoal das organizações da sociedade civil que atuam na atividade fim do ente da Federação e que recebam recursos financeiros da administração pública, conforme definido no item 04.01.02.01 (3) da 9ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais (MDF), aprovado pela Portaria STN nº 389, de 14 de junho de 2018, e alterações posteriores.
§ 1º Até o final do exercício de 2020, os entes da Federação deverão avaliar e adequar os respectivos dispositivos contratuais bem como os procedimentos de prestação de contas das organizações da sociedade civil para o cumprimento integral das disposições do caput.
§ 2º Permite-se, excepcionalmente para os exercícios de 2018 a 2020, que os montantes referidos no caput não sejam levados em consideração no cômputo da despesa total com pessoal do ente contratante, sendo plenamente aplicáveis a partir do exercício de 2021 as regras definidas conforme o Manual de Demonstrativos Fiscais vigente.
A 9ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais preconizava que “a parcela do pagamento referente à remuneração do pessoal que exerce a atividade fim do ente público, efetuado em decorrência da contratação de forma indireta, deverá ser incluída no total apurado para verificação dos limites de gastos com pessoal”.
A Portaria STN nº 233/2019 determinava, então, a contabilização da parcela do pagamento referente à remuneração do pessoal que exerce a atividade fim do ente público nas OSS o total apurado para verificação dos limites gastos com pessoal, estipulados na LRF, fixando até o final do exercício de 2020 para que os entes federativos fizessem as adequações necessárias.
O prazo inicial foi prorrogado para o final do exercício de 2021 pela Portaria STN nº 377, de 08.06.2020, que, apesar de revogar a Portaria STN nº 233/2019, reafirmava a necessidade do computo do gasto de pessoal conforme previsto no normativo revogado.
Entretanto, o Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 79, de 01.07.2022, sustou a Portaria STN nº 377/2020, com fundamento no V do caput do art. 49 da Constituição Federal, ou seja, por entender que o normativo da STN exorbitou os limites do poder regulamentar.
A atual versão do Manual de Demonstrativos Fiscais (MDF) – 14ª edição, publicada em julho de 2023 e válida para o exercício de 2024, ao tratar do Demonstrativo da Despesa com Pessoal, conceitua Outras Despesas de Pessoal decorrentes de contratos de terceirização como:
Despesas orçamentárias relativas a salários e demais encargos de agentes terceirizados contratados em substituição de mão de obra de servidores ou empregados públicos, bem como quaisquer outras formas de remuneração por contratação de serviços de mão de obra terceirizada, de acordo com o art. 18, § 1o, da Lei Complementar nª 101, de 2000, computadas para fins de limites da despesa total com pessoal previstos no art. 19 dessa Lei.
Segundo o MDF, não são todos os contratos de terceirização que devem ser considerados no cálculo da despesa de pessoal, mas apenas aqueles que se relacionam à substituição de servidor ou de empregado público. Assim, o Manual estabelece que não são consideradas no bojo das despesas com pessoal as terceirizações que se destinem à execução indireta de atividades que, simultaneamente:
i) sejam acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade (atividades-meio), na forma de regulamento, tais como: conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática – quando esta não for atividade-fim do órgão ou entidade – copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações;
ii) não sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas por plano de cargos do quadro de pessoal do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário, ou seja, relativas a cargo ou categoria extintos, total ou parcialmente;
iii) não caracterizem relação direta de emprego como, por exemplo, estagiários.
O MDF também trata das despesas com pessoal decorrentes da contratação de serviços públicos finalísticos de forma indireta, quando os serviços públicos relacionados à atividade-fim do órgão ou entidade pública são prestados por meio da contratação de cooperativas, de consórcios públicos, de organizações da sociedade civil, de serviço de empresas individuais ou de outras formas assemelhadas.
A primeira está relacionada à contratação de uma organização que atua em determinado setor de interesse social e que recebe apoio do setor público para ampliar essa atuação com vistas à consecução do interesse comum. Na maioria desses casos, não é possível relacionar a transferência de recursos à contratação de mão de obra para determinado serviço público, pois a entidade possui outras fontes de custeio dos seus serviços. Nesses casos, as transferências a essas entidades e suas respectivas despesas com pessoal não devem ser consideradas no cômputo da despesa com pessoal para fins dos limites da LRF. As transferências, neste caso, devem ser classificadas nos elementos referentes a contribuições, auxílios ou subvenções sociais. Como exemplo, tem-se as transferências para Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e outras organizações da sociedade civil, por meio de termo de cooperação, termo de fomento, termo de parceria, contrato de direito público ou convênio, com o objetivo de apoiar e fomentar a prestação de serviços públicos desenvolvidos por essas entidades.
A outra situação está relacionada aos casos em que essas organizações administram estruturas pertencentes à administração pública ou são responsáveis pela execução de serviços públicos de responsabilidade do ente, tendo, nesses casos, as despesas relacionadas a esses serviços custeadas pelo Poder Público. Nessa situação encontram-se as organizações sociais e outras entidades que firmaram contrato de gestão com o Poder Público. Observa-se que as transferências de recursos a essas organizações não têm como objetivo apoiar ou fomentar as atividades já realizadas por elas, mas custear o serviço público de responsabilidade do ente público que será gerido e executado pela organização. Portanto, do total de recursos transferidos, será necessário identificar o valor utilizado no custeio das despesas com pessoal relacionadas à atividade finalística do ente da Federação para que esse valor seja incluído no cômputo da despesa com pessoal.
Pelo exposto, do ponto de vista fiscal, não resta dúvida quanto à obrigatoriedade de incluir a parcela do pagamento, efetuado no âmbito de contratos de gestão com OSS, referente à remuneração do pessoal que exerce a atividade-fim do ente público, deverá ser incluída no total apurado para verificação dos limites de gastos com pessoal.
3) Abordagem técnica-normativa
Agora, serão trazidos embasamentos técnicos extraídos das normas específicas do SUS quanto à formalização de instrumentos entre o poder público e a iniciativa privada.
A Constituição Federal estabelece em seu art. 199, §1º, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, que poderá participar de forma complementar do SUS mediante contrato de direito público ou convênio, devendo-se dar preferência às entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Aqui, merece destaque o fato da previsão constitucional de participação da iniciativa privada no SUS delimitar sua ocorrência exclusivamente com caráter complementar, ou seja, adicionando serviços aos que já são prestados pelo Poder Público, que pode se socorrer de estabelecimentos privado de saúde (hospitais, clínicas, laboratórios etc.).
Nessa linha, considerando a preponderância da atuação pública, a participação complementar da iniciativa privada no SUS ocorre nas hipóteses em que a oferta de ações e serviços de saúde públicos não forem suficientes e for comprovada a impossibilidade de sua ampliação para garantir a cobertura assistencial à população de determinado território, conforme previsto no art. 130 da Portaria de Consolidação GM/MS nº 1, de 28.09.2017, que consolida as normas sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, a organização e o funcionamento do SUS.
Segundo a referida Portaria, a participação complementar das instituições privadas de assistência à saúde no SUS deve ser formalizada mediante a celebração de contrato ou convênio com o ente público, observando-se os termos da Lei nº 8.666, de 21.06.1993 (revogada pela Lei nº 14.133, de 01.04.2021) e da Lei nº 8.080, de 19.09.1990, de acordo com os seguintes critérios:
I - convênio: firmado entre ente público e a instituição privada sem fins lucrativos, quando houver interesse comum em firmar parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde; e
II - contrato administrativo: firmado entre ente público e instituições privadas com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do contrato for a compra de serviços de saúde.
Portanto, a celebração de convênios e contratos administrativos voltados à complementação dos serviços prestados no SUS não configura substituição de servidores e/ou empregados públicos, tendo em vista que os referidos instrumentos formalizam acréscimos de serviços já ofertados pelo Poder Público, não havendo cargos públicos cujas atividades passam a ser executadas por empregados vinculados à empresas.
Raciocinando a contratrio sensu, à luz da Portaria de Consolidação nº 01/2017, os Contratos de Gestão com OSS não se constituem em instrumentos aptos a formalizar a participação complementar da iniciativa privada no SUS. Em outras palavras, a celebração de Contrato de Gestão com OSS não caracteriza a complementação dos serviços de saúde ofertados pelo Poder Público. Na verdade, os Contratos de Gestão com OSS traduzem uma transferência das atividades de gerenciamento, a cargo do Poder Público, por meio de sua estrutura orgânica (órgãos e entidades da Administração Pública), para entidades privadas qualificadas previamente como OSS, o que se alinha à hipótese de substituição de servidores e empregados públicos prevista na LRF. As unidades de saúde geridas no âmbito de Contratos de Gestão com OSS são estabelecimentos públicos que pertencem ao Poder Público. Diferentemente, nos casos em que são celebrados convênios e contratos administrativos com instituições privadas com ou sem fins lucrativos para complementação dos serviços ofertados pelo Poder Público, os estabelecimentos onde são prestados os serviços são privados, não integrando a estrutura operacional do SUS.
A Portaria GM/MS nº 1.034, de 05.05.2010, tratava da participação complementar das instituições privadas de assistência à saúde no SUS e foi revogada pela Portaria GM/MS nº 2.567, de 25.11.2016, que, além da participação da iniciativa privada no SUS também disciplina o instituto do credenciamento de prestadores de serviços de saúde no SUS. Antes de ser revogada, a Portaria GM/MS nº 1.034/2010 foi republicada para exclusão da previsão do contrato de gestão como um instrumento de complementação dos serviços de saúde no SUS, sob o argumento de que ele não seria utilizado para contratar serviços privados de saúde, mas sim transferir o gerenciamento de serviços públicos para uma entidade privada sem fins lucrativos. O serviço não perde o caráter público, por isso não se enquadra como complementar.
A decisão pela celebração de Contratos de Gestão com OSS não pode ser decorrência da insuficiência da capacidade instalada das unidades públicas de saúde para ofertar os serviços demandados pela população, ou da impossibilidade de ampliação da estrutura pública (leitos, equipamentos e profissionais). De outra forma, a celebração de Contratos de Gestão com OSS se constitui em opção administrativa colocada à disposição do gestor local do SUS quando este pretende transferir o gerenciamento de unidades públicas de saúde para entidades privadas.
O Manual de Orientações para Contratação de Serviços de Saúde, editado pelo Ministério da Saúde, apresentando subsídios a gestores e prestadores na realização da complementação da rede assistencial, ao tratar dos tipos de instrumentos contratuais utilizados no SUS, enquadrou o convênio e o contrato administrativo como modelos disponíveis para complementação aos serviços de saúde já ofertados pelo Poder Público.
Por outro lado, classificou como parceria a celebração de contrato de gestão e de termo de parceria, regulado pela Lei Federal nº 9.790, de 23.03.1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), e institui e disciplina o termo de parceria.
Figura 1 – Tipos de instrumentos contratuais utilizados no SUS
Fonte: Manual de Orientações para Contratação de Serviços de Saúde (pág. 21).
Durante a pandemia, foi editada a Lei Federal nº 13.992, de 22.04.2020, que suspendeu por 120 (cento e vinte) dias, a contar de 01.03.2020, a obrigatoriedade da manutenção das metas quantitativas e qualitativas contratualizadas pelos prestadores de serviço de saúde no âmbito do SUS. Após sucessivas prorrogações, a Lei Federal nº 14.189, de 28.07.2021, incluiu o art. 2º-A dispondo sobre a suspensão da obrigatoriedade da manutenção de metas quantitativas relativas à produção de serviço das organizações sociais de saúde.
Na tramitação do Projeto de Lei (PL) nº 2809/2020, foi apresentada a Emenda nº 5 -PLEN, que abordou, entre as justificativas para a posterior inclusão das OSS na Lei nº 13.992/2020, o esclarecimento do Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS) afirmando que “a Lei 13.992 de 2020 não abrange as Organizações Sociais de Saúde por direcionar a aplicação em seu art. 1º aos ‘prestadores de serviço’”. Tal entendimento evidencia que as OSS não são prestadores de serviços de saúde, pois não há a contratação de serviços a serem prestados em estabelecimentos de saúde de propriedade da OSS.
A publicação Saúde de A a Z define contratualização/contratação de serviços de saúde como:
Ato do gestor municipal ou estadual contratar e/ou conveniar um estabelecimento de saúde já cadastrado no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (Cnes), para atendimento ao SUS, após ter sido identificada necessidade de complementar a oferta de serviços, em consonância com a programação e visando à ampliação da cobertura assistencial à população. A contratação pode referir-se a serviços ambulatoriais (prestador SIA), serviços hospitalares (prestador SIH) ou a ambos.
As OSS quando firmam contrato de gestão, em regra, assumem o funcionamento de um estabelecimento de saúde cadastrado no Cnes como pertencente ao poder público. Vale dizer, a OSS vai operar a estrutura da unidade pública de saúde (hospital, Unidade de Pronto Atendimento, posto de saúde etc.) já existente por meio de funcionários selecionados pela OSS por meio de processo seletivo, o qual deve observar, entre outros, os princípios da impessoalidade e da objetividade.
É importante ressaltar que, no SUS, as expressões gestão e gerência possuem significados diferentes. Gerência é “administração de uma unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação etc.), que se caracteriza como prestador de serviços ao Sistema” (Norma Operacional Básica – NOB nº 01, de 06.11.1996). Ou seja, gerência corresponde às atividades de administração relacionadas ao funcionamento da unidade de saúde prestadora de serviços ao SUS (pública ou privada).
Já a gestão, é “a atividade e a responsabilidade de dirigir um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional), mediante o exercício de funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria” (NOB nº 01/96). Assim, a gestão no SUS está associada às funções de comando ou direção do sistema de saúde que cabe aos gestores do SUS, em todas as esferas de governo.
Assim, os Contratos de Gestão com OSS devem ter como objeto a transferência da gerência das unidades de saúde para as entidades qualificadas como OSS, embora o nome do instrumento seja contrato de gestão.
O Tribunal de Contas da União (TCU) no recente Acórdão nº 2.468/2023-Plenário assentou que:
Na área da saúde, a execução do contrato de gestão costuma incluir a transferência da gestão de uma unidade pública para a entidade privada qualificada como OS, sendo isso uma das principais diferenças entre os regimes de parcerias entre entes públicos e privados no âmbito da saúde. Essa possibilidade é exclusiva das OS justamente por este regime ter sido concebido para que tais entidades substituíssem órgãos e entidades públicos. (grifo do autor)
Os Contratos de Gestão celebrados com Organizações Sociais são regidos, no âmbito federal, pela Lei Federal nº 9.637, de 15.05.1998, e nos Estados, Distrito Federal e Municípios pelas respectivas leis locais.
A Lei nº 9.637/98 foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de declaração de nulidade integral do texto legal.
No julgamento da ADI, o STF julgou parcialmente procedente o pedido, apenas para conferir interpretação conforme à Constituição.
A Lei nº 9.637/98, ao tratar dos princípios e das diretrizes para elaboração do contrato de gestão, estabeleceu que:
Art. 7º Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos:
I - Especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;
II - A estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções. (grifo do autor)
Fica evidente a preocupação do legislador em controlar as despesas com pessoal nos Contratos de Gestão, alinhando-se às questões fiscais que seriam definidas posteriormente na LRF.
Vale destacar que tramita no Congresso Nacional, projeto de lei que busca alterar a Lei nº 9.637/98, dispondo sobre critério e requisitos para a qualificação de entidades privadas como organizações sociais e sobre regras para celebração, controle e rescisão dos contratos de gestão.
O PL nº 10.720/2018 prevê a inclusão, no art. 5º da Lei nº 9.637/98, do §7º que assim dispõe:
§7º Os gastos com força de trabalho das organizações sociais não deverão ser incluídos nas despesas de pessoal para fins de cálculo dos limites previstos na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
Todavia, a previsão do projeto de lei parece afrontar a Constituição Federal na medida em que o art. 169 da Carta Magna reserva à lei complementar, a definição dos limites para despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, matéria disciplinada na LRF, sendo incompatível com o ordenamento jurídico alterar o texto da LRF (lei complementar) via lei ordinária.
4) Conclusão
As abordagens apresentadas revelam que o modelo de gerenciamento de unidades de saúde por meio de Contratos de Gestão celebrados com OSS se constitui, na prática, na substituição dos servidores/empregados públicos envolvidos na prestação dos serviços de saúde por profissionais contratados pelas OSS, fazendo incidir, portanto, as regras da LRF que tratam do limite de gasto com pessoal.
Assim, os estados e municípios, tendo em vista serem os principais adeptos do modelo, precisam adotar as medidas internas necessárias para computar o gasto com profissionais da área de saúde contratados pelas OSS no âmbito dos Contratos de Gestão, como forma, inclusive, de evidenciar o montante de recursos públicos efetivamente disponível para aplicação em outras políticas públicas.
Não tome decisão permanente de despesa com base em receitas temporárias
O ente público deve monitorar constantemente a decisão de manter uma Empresa Estatal como Dependente
Como estimar preço em compras públicas usando econometria com o ChatGPT
{TITLE}
{CONTENT}
Aguarde, enviando solicitação!